Nesses mais de 30 anos em que acompanho o automobilismo, vi
muitas coisas. Fosse por meio da TV, revistas, jornais ou ao vivo, confesso que
ri, chorei, vibrei e comemorei. Mas foi nessa última década que pude acompanhar
tudo mais de perto, sobretudo dentro do templo da Zona Sul. Vi muito mais
coisas do que as câmeras podem captar, aprendi que meros comentários de
narradores e comentaristas nem sempre refletem situações reais, entrevistas não
mostram verdadeiros caráteres e apresentadores carismáticos podem ser pessoas
intragáveis. Mas a partir de 2007 pude comprovar tudo isso e muito mais.
Coincidentemente, consegui conquistar o objetivo de
trabalhar dentro das pistas no auge de Felipe Massa na F1, o que posso
considerar um privilégio. Não somente por seu desempenho a bordo da Ferrari,
mas pelo fato de naquele momento, o nosso automobilismo apresentar uma riqueza
tão grande na quantidade e qualidade das categorias nacionais. Só na Stock Car
havia 4 categorias, tínhamos o Trofeo Maserati, a GT3, Copa Clio e o presidente
da CBA não era um cretino com interesse apenas em seu bolso e em cabidaços que
nos levariam para o buraco.
No auge de tudo isso, entramos na pista naquele início de
novembro de 2008 para vivermos um dia fantástico. Quando parei o carro de Felipe
Massa para comemorar seu título e ele olhou para mim com lágrimas nos olhos
balançando a cabeça, eu não sabia do que ele tinha sido avisado pelo rádio. Mas
tudo bem, é a vida. Não seria naquele dia que eu veria minha Ferrari sendo
campeã de pilotos, mas a vi sendo campeã de construtores, em um final para lá
de dramático, como poucas vezes veríamos na história da Fórmula 1. E não há dia
em que não me lembre do momento histórico o qual presenciei.
Muitas coisas aconteceram ao longo desses 8 anos, tanto no nosso
automobilismo quanto na carreira de Massa. Um acidente quase fatal, um
talentoso companheiro de equipe que levou o patrocinador principal ao time, a
despedida da Ferrari e lampejos brilhantes a bordo de uma Williams, bem como
uma coleção de péssimos resultados. Mas talvez nada tenha sido tão duro quanto
saber de um resultado manipulado que mudaria aquele resultado de 2008. Mas
sempre que perguntado a respeito de como teria sido 2008 e também sobre os
erros da equipe, ele não se acanhava em dizer que não fosse pelos próprios
erros, não teria faltado aquele ponto.
Por diversas vezes, Massa foi um piloto duro na disputa. Que
o diga Robert Kubica, com quem travou um duelo épico ao final do encharcado GP
de Fuji em 2007. Mas deslealdade não houve. Não fechou o companheiro em uma
luta pelo título e correu para a torre de Suzuka para pedir sua punição. Nem
trocou o freio pelo acelerador no final da reta de Suzuka. Não jogou o carro em
cima do adversário em Adelaide ou Jerez. Foi injustiçado, talvez tenha sido injusto
em algumas reclamações, mas sempre respeitou companheiros e colegas de
trabalho.
Em uma Fórmula 1 que não foi a que sonhou em estar um dia,
os objetivos tiveram que mudar um pouco. Com apenas uma equipe capaz de vencer
corridas, foi-se perdendo o prazer de entrar na pista. Foram uma pole e alguns
pódios. Muito pouco para motivar alguém de 35 anos a continuar. E veio a
decisão. F1 não mais. Era hora de repensar a carreira. A decisão causou o choro
da chefe de equipe, declarações dos colegas lamentando sua saída, mas a decisão
estava tomada.
E tinha que ser aqui, em Interlagos, 10 anos depois de um de
seus finais de semana mais brilhantes, que tudo tinha que acontecer do jeito
mais errado o possível. Um temporal, a curva do café e o Guard Rail. Eu não estava lá como há 8 anos, mas no
momento em que ele desceu do carro e pegou a bandeira, me lembrei daquele dia,
vendo as lágrimas em seus olhos. Lembrei dos momentos que vivi naqueles dias,
aquele final de ano onde parecia que nosso automobilismo voltaria ao seus dias
de glória. Nas esperanças para 2009, onde tudo acabou dando errado. Na sua
tentativa de trazer uma categoria de base apoiado em sua relação com a Fiat e
com o Santander. Me senti triste ao vê-lo subindo a pé para os boxes depois de
tantas batalhas.
Foi aí que aconteceu. Quando os mecânicos das equipes
começaram a sair dos boxes para o aplaudirem de pé, me dei conta da dimensão
que Felipe alcançou no automobilismo. Felipe foi muito mais do que aquele ponto
que faltou em 2008. Muito mais do que aquela mangueira presa no carro, muito
mais do que ordens via rádio. Felipe foi muito mais do que as críticas da
torcida. Aquele foi o momento de alguém que realizou quase todos os seus
objetivos. De alguém que não venceu o campeonato mundial, mas cujo caráter o
impediu de sujar sua própria memória em troca disso.
Mesmo com tudo isso, Felipe não terá filmes em sua
homenagem. Ele abriu caminho em seu próprio quintal para seu companheiro ser
campeão. Sobreviveu a um grave acidente. Deu alegrias a muitos, foi criticado
por outros. Mesmo assim, conseguiu o respeito daqueles a quem o cercavam.
Tentou impulsionar nosso automobilismo. Quase colocou Interlagos abaixo por
duas vezes. Derrotou Michael Schumacher em igualdade de condições. Rodou na
chuva, na curva do Café. Voltou a pé para os boxes. E a Fórmula 1 o aplaudiu de
pé.
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