Falando de Corrida

Novidades, lembranças e curiosidades do nosso esporte a motor

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domingo, 26 de maio de 2013

Quando as palavras faltam


Tony Kanaan é um tipo raro de atleta brasileiro. Seu carisma se iguala ao talento, venceu todas as dificuldades que até hoje lhe foram impostas, tem uma vida e carreira cheias de voltas por cima e não há quem não o admire. É capaz de sobrepor as barreiras de brigas entre canais de televisão e volta e meia aparece em canais diferentes dando entrevistas e mostrando um pouco de si. Humilde, já ajudou comissários a limparem a curva do lago em uma Mil Milhas onde um alagamento impedia a largada. É um esportista nato, cujo exemplo mostra que talento não é nada sem trabalho.

Hoje, Tony foi capaz de arrancar lágrimas de todos os que ficaram por mais de 3 horas na frente da Tv acompanhando as cerca de 70 trocas de líderes em Indianapolis. Quando faltavam 9 voltas e ele assumiu a liderança, minha mãe gritou da cozinha "hoje dá ele!", no que ponderei, dizendo à ela que Indianapolis é Indianápolis. De fato, depois de uma corrida eletrizante, ele perde a ponta e no momento seguinte Rahal bate. Amarela na pista, talvez o fim do sonho. Mas deu tempo de limparem a pista. Verde. Tony acelera, passa e mantém a ponta. 3 para o fim. Amarela. Sim. A Indy 500 de '13 (é, 13, o número do azar) é de Tony, mais uma vez contrariando a lógica, a mesma que o teria levado a largar o automobilismo e fazer outra coisa da vida quando perdeu o pai, que o obrigaria a quebrar a promessa que fez à este, quando prometeu que nunca iria largar o automobilismo. A lógica que o faria largar os USA mesmo depois de perder os patrocinadores e a vaga na Andretti, talvez tentando o futuro na nossa Stock Car, talvez como comentarista de alguma categoria. Mas não, este não é Tony. Tony é o cara. O cara que arrisca uma ultrapassagem em "3 wide" faltando 3 voltas para o final sobre o atual campeão da IndyCar, o cara que se recusa a largar o capacete depois da falta de combustível, o cara que deu pau em Ayrton Senna em uma corrida de kart, o cara que disse que um dia, após ler uma revista, sentou no kart para treinar sonhando em um dia correr "a tal da 500 milhas". O cara que venceu essa tal de 500 milhas, que realizou seus sonhos, que poderia dar uma coletiva amanhã informando que deixaria o automobilismo e sairia como um dos grandes de sua época. Mas ele não vai fazer isso. Porque Tony é o cara. O cara que vai voltar para conquistar mais títulos, mais corridas, onde quer que esteja. Um raro exemplo a ser seguido, em um país de valores trocados. Tony, você o cara, por me fazer admitir que chorei junto com você. Aliás, pelo que acompanhei pela Internet, há muito tempo um atleta não fazia o Brasil chorar junto...


Observação: Péssima a postura da Rede Bandeirantes ao transmitir o final da corrida. Interromper a festa para transmitir um joguinho de futebol foi o pior anticlímax que já vi. Acompanhei a corrida por streaming via ESPN/ABC americana, onde a transmissão foi de cair o queixo, e nosso atleta foi ovacionado e respeitado. Depois não adianta reclamar que corrida não tem audiência nem patrocinadores. É mais uma mostra do que o esporte significa no Brasil (quando não se trata de futebol). Lamentável, mais uma rede de TV que não é digna de minha audiência.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Duelo de Titãs



O mês de maio, embora seja normalmente marcado pelo GP de Monaco e 500 milhas de Indianapolis (duas das principais corridas do automobilismo mundial, e que muitas vezes acontecem no mesmo dia), é sempre lembrado por duas das maiores perdas da Formula 1. Na semana passada, completaram-se 19 anos da morte de Ayrton Senna, e ontem, 31 da morte de Gilles Villeneuve. Mas há muito mais em comum entre os dois além das precoces mortes terem ocorrido no mês de maio. Talvez não haja na história da Formula 1 dois pilotos que tenham sido tão iguais quanto diferentes ao mesmo tempo.
Gilles foi um piloto peculiar. Considerado por muitos como louco, e por outros, espetacular, não alcançou resultados coerentes com sua técnica. Para muitos, seu arrojo era exagerado, o que lhe causou acidentes que lhe tiraram muitas chances de bons resultados. Mas para ele, tanto fazia. Considerava a Formula 1 como uma espécie de hobby remunerado. Curtia o que estava fazendo, mas não fazia daquilo uma obsessão. Foram apenas 67 GP’s e 6 vitórias, uma passagem relativamente curta. Tirando seu GP de estreia (Silverstone 1977), sua carreira foi toda na Ferrari, equipe sempre marcada por altos e baixos, o que levou a resultados nem tão brilhantes, ao contrário de suas apresentações. Pilotar em alta velocidade com o pneu furado e ainda terminar em quarto (Zolder 1978), com apenas 3 rodas andando de lado (Zandvoort 1979) ou com o bico do carro tampando sua visão sem diminuir o ritmo (Montreal 1981, 3º colocado) e o duelo espetacular com René Arnoux (Dijon 1979) são credenciais mais que suficientes para provar seu talento.
Ayrton Senna também foi espetacular. Desde sua fantástica apresentação debaixo do dilúvio sob o qual se encontrava o Principado de Monaco (1984) até encontrar seu fim precoce em Imola, foram 161 GP’s, 65 poles, 41 vitórias e 3 títulos mundiais, além de vitórias como Donington em 1993 e a mais inquestionável de todas, o GP do Brasil de 1991, considerada como milagrosa. Não dá para comparar com os números de Gilles, certo? Bem, nem tanto.

Até hoje, nunca vi alguém fazer um comparativo mais relativo entre as duas carreiras. Os dois não foram de épocas muito diferentes, e os mesmos que competiram com um, competiram com outro. E pasmem: A diferença entre os 2 com 4 temporadas completas, é de parcos 60 pontos (!), considerando descartes.
Gilles teve um carro de ponta apenas uma vez na Formula 1, no ano de 1979, com o qual venceu 3 GP’s. Vale lembrar que nos 2 primeiros GP’s do ano, a Ferrari ainda utilizou o superado 312 T3, e Gilles venceu logo na estreia do modelo T4. Tinha como companheiro o habilidoso e experiente Jody Scheckter, que ao final da temporada seria o merecido campeão, por apenas 4 pontos de diferença, com um abandono a mais. Nas duas temporadas seguintes, foram mais abandonos (em parte por deficiência do carro, em parte por erros de Gilles), que lhe impediram de ir além na contagem de pontos. Além disso, a Ferrari só veio a fazer um carro realmente moderno em 1982, ano em que Gilles morreu. Ele teria bastantes chances de ser campeão, se levarmos em conta os resultados que o carro conquistou naquele ano. Completou 4 temporadas com 6 vitórias e um vice campeonato.

Ayrton contou com um carro fraquíssimo mas com o qual conseguiu resultados surpreendentes em 1984, conquistando 3 pódios. Mudou para a Lotus em 1985, um carro marcado pela potência do motor Renault, mas cujo consumo e confiabilidade não eram seu forte. Foram diversas poles de 1985 a 1986, mas a quantidade de vezes que o carro o deixou na mão contam mais do que os resultados que lhe ofereceu. Cometeu, é verdade, alguns erros. Mas estes muito menores do que os abandonos. Em 1987 Ayrton contou com um motor mais confiável, mas o chassi não foi capaz de fazer frente às poderosas Williams de Mansell e Piquet. Terminou o ano em sua melhor posição até então, 3º lugar, encerrando sua 4ª temporada completa com... 6 vitórias, o mesmo número de Gilles. No ano seguinte foi para a McLaren, onde encontrou um carro à altura e também maturidade como piloto. O resultado todos conhecem.
É difícil saber como teria sido o futuro de Gilles se não tivesse encontrado o carro de Jochen Mass naquela volta, naquela curva. A Ferrari conquistou bons resultados naquela temporada e na seguinte, fazendo crer que com Gilles talvez pudesse ter levado os dois títulos. Não sabemos também se ele ficaria no time, pois muitos acreditam que ele tinha um acordo para se transferir para a McLaren após o episódio de Ímola, quando  a equipe não conseguiu conter o ímpeto de Didier Pironi, que venceu desobedecendo as ordens de ficar atrás de Gilles. Todos sabem como foi a McLaren pós 1983, mas como seria nas mãos de Gilles?
Essas perguntas batem em nossas cabeças tanto quanto aquelas de como teria sido se a barra de direção da Williams não tivesse quebrado naquela volta, naquela curva. Ayrton poderia ter sido o maior em números, destruidor de recordes e tudo o mais. Mas de repente teria sido ofuscado no início por um Gilles mais rápido e mais constante, quem sabe?
O que pude concluir com tudo isso, é que mesmo que os “especialistas” teimem em diminuir os feitos de Gilles quando são levantados os números, se tornam próximos daquele a quem eles considerem o maior e mais genial de todos. Essa comparação apenas nos mostra que sim, Gilles foi um dos maiores gênios do esporte, assim como Ayrton, a quem os deuses do automobilismo não permitiram que se encontrassem no grid. Para nossa tristeza, e, por que não, para estimular nossa imaginação.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Powerless



Foi melancólico o final do reinado de Will Power em São Paulo. Em um fim de semana de muito azar da Penske, Will abandonou a prova depois de ter largado lá atrás por uma bobeira do time, que também prejudicou seu companheiro Hélio Castroneves. Bobeiras de equipes, aliás, foram marcas registradas da 4ª edição da São Paulo Indy 300. Sobretudo da KV Racing, que jogou fora uma atuação até então irrepreensível de Tony Kanaan, que após liderar a corrida depois de belas ultrapassagens acabou ficando sem combustível, o que lhe custou uma volta. Mas ontem ficou mais do que claro que o que vale para o público não é quem ganha, e sim o nível do espetáculo. O público que lotou as arquibancadas do Anhembi ficou de pé para assistir à duas belíssimas performances dos carismáticos Takuma Sato e James Hinchcliffe nas últimas voltas. Sato, já com os pneus desgastados, vinha sendo pressionado fortemente por Joseph Newgarden, quando este tentou uma manobra mais ousada e acabou perdendo a posição para Hinchcliffe, que passou a ir com tudo para cima de Sato. Mas o japonês voador não quis vender barato seu posto, e fechou o canadense o quanto pôde. O público vibrou com as manobras dos dois pilotos, e o duelo foi acabar somente a poucos metros da chegada, quando James finalmente conseguiu ultrapassar Sato depois de uma ultrapassagem espetacular. Foi então que percebi, que embora a preferência do público seja pelos pilotos brasileiros, a beleza do esporte sobrepõe qualquer torcida. No final, todos empolgados, mas com preferências divididas. Uns achavam que Sato merecia a vitória por sua habilidade, outros acharam injustas as manobras do japonês, o que tornava Hinchcliffe o merecido vencedor. 

Na minha opinião, o grande vencedor foi o público que acompanhou a prova e dessa vez saiu mais do que satisfeito. Depois de 4 edições, parece que finalmente a organização acertou em todos os pontos, fosse na pista, nos eventos paralelos à corrida e também nas dependências. Dessa vez pouco deixou-se a desejar, e muita gente, na saída do Anhembi, prometeu voltar no próximo ano. É um sinal de evolução de todos os lados, e tomara que a imprensa finalmente acorde para o fato de que o que queremos é esporte, e não apenas torcer por atletas brasileiros.

Observação 1: Para quem gosta de show na pista, o modo americano de fazer corrida é um prato cheio. Dificilmente alguém abre aquele mundo de distância na frente, o que permite vários carros disputando a ponta nas últimas voltas, depois de várias trocas de líderes. E nem sempre quem laga na frente é o vencedor, nem mesmo em circuitos de rua...

Observação 2: A prova mostrou que no Brasil, o problema do automobilismo é mais falta de divulgação do que outra coisa. Mesmo com menos popularidade que a Formula 1, a Indy lotou o Anhembi, e mesmo quem desconhecia a categoria e foi só para acompanhar a família, saiu de lá empolgado mesmo com o mau resultado dos brasileiros, além de saber quem era quem mesmo no início da corrida. E com a quantidade de corridas que temos aqui a preços populares (ou até com entrada franca), não há outro motivo para a falta de público do que a falta de divulgação.