O mês de maio, embora seja normalmente marcado pelo GP de Monaco e 500 milhas de Indianapolis (duas das principais corridas do automobilismo mundial, e que muitas vezes acontecem no mesmo dia), é sempre lembrado por duas das maiores perdas da Formula 1. Na semana passada, completaram-se 19 anos da morte de Ayrton Senna, e ontem, 31 da morte de Gilles Villeneuve. Mas há muito mais em comum entre os dois além das precoces mortes terem ocorrido no mês de maio. Talvez não haja na história da Formula 1 dois pilotos que tenham sido tão iguais quanto diferentes ao mesmo tempo.
Gilles foi um piloto peculiar. Considerado por muitos como louco, e por outros, espetacular, não alcançou resultados coerentes com sua técnica. Para muitos, seu arrojo era exagerado, o que lhe causou acidentes que lhe tiraram muitas chances de bons resultados. Mas para ele, tanto fazia. Considerava a Formula 1 como uma espécie de hobby remunerado. Curtia o que estava fazendo, mas não fazia daquilo uma obsessão. Foram apenas 67 GP’s e 6 vitórias, uma passagem relativamente curta. Tirando seu GP de estreia (Silverstone 1977), sua carreira foi toda na Ferrari, equipe sempre marcada por altos e baixos, o que levou a resultados nem tão brilhantes, ao contrário de suas apresentações. Pilotar em alta velocidade com o pneu furado e ainda terminar em quarto (Zolder 1978), com apenas 3 rodas andando de lado (Zandvoort 1979) ou com o bico do carro tampando sua visão sem diminuir o ritmo (Montreal 1981, 3º colocado) e o duelo espetacular com René Arnoux (Dijon 1979) são credenciais mais que suficientes para provar seu talento.
Ayrton Senna também foi espetacular. Desde sua fantástica apresentação debaixo do dilúvio sob o qual se encontrava o Principado de Monaco (1984) até encontrar seu fim precoce em Imola, foram 161 GP’s, 65 poles, 41 vitórias e 3 títulos mundiais, além de vitórias como Donington em 1993 e a mais inquestionável de todas, o GP do Brasil de 1991, considerada como milagrosa. Não dá para comparar com os números de Gilles, certo? Bem, nem tanto.
Até hoje, nunca vi alguém fazer um comparativo mais relativo entre as duas carreiras. Os dois não foram de épocas muito diferentes, e os mesmos que competiram com um, competiram com outro. E pasmem: A diferença entre os 2 com 4 temporadas completas, é de parcos 60 pontos (!), considerando descartes.
Gilles teve um carro de ponta apenas uma vez na Formula 1, no ano de 1979, com o qual venceu 3 GP’s. Vale lembrar que nos 2 primeiros GP’s do ano, a Ferrari ainda utilizou o superado 312 T3, e Gilles venceu logo na estreia do modelo T4. Tinha como companheiro o habilidoso e experiente Jody Scheckter, que ao final da temporada seria o merecido campeão, por apenas 4 pontos de diferença, com um abandono a mais. Nas duas temporadas seguintes, foram mais abandonos (em parte por deficiência do carro, em parte por erros de Gilles), que lhe impediram de ir além na contagem de pontos. Além disso, a Ferrari só veio a fazer um carro realmente moderno em 1982, ano em que Gilles morreu. Ele teria bastantes chances de ser campeão, se levarmos em conta os resultados que o carro conquistou naquele ano. Completou 4 temporadas com 6 vitórias e um vice campeonato.
Ayrton contou com um carro fraquíssimo mas com o qual conseguiu resultados surpreendentes em 1984, conquistando 3 pódios. Mudou para a Lotus em 1985, um carro marcado pela potência do motor Renault, mas cujo consumo e confiabilidade não eram seu forte. Foram diversas poles de 1985 a 1986, mas a quantidade de vezes que o carro o deixou na mão contam mais do que os resultados que lhe ofereceu. Cometeu, é verdade, alguns erros. Mas estes muito menores do que os abandonos. Em 1987 Ayrton contou com um motor mais confiável, mas o chassi não foi capaz de fazer frente às poderosas Williams de Mansell e Piquet. Terminou o ano em sua melhor posição até então, 3º lugar, encerrando sua 4ª temporada completa com... 6 vitórias, o mesmo número de Gilles. No ano seguinte foi para a McLaren, onde encontrou um carro à altura e também maturidade como piloto. O resultado todos conhecem.
É difícil saber como teria sido o futuro de Gilles se não tivesse encontrado o carro de Jochen Mass naquela volta, naquela curva. A Ferrari conquistou bons resultados naquela temporada e na seguinte, fazendo crer que com Gilles talvez pudesse ter levado os dois títulos. Não sabemos também se ele ficaria no time, pois muitos acreditam que ele tinha um acordo para se transferir para a McLaren após o episódio de Ímola, quando a equipe não conseguiu conter o ímpeto de Didier Pironi, que venceu desobedecendo as ordens de ficar atrás de Gilles. Todos sabem como foi a McLaren pós 1983, mas como seria nas mãos de Gilles?
Essas perguntas batem em nossas cabeças tanto quanto aquelas de como teria sido se a barra de direção da Williams não tivesse quebrado naquela volta, naquela curva. Ayrton poderia ter sido o maior em números, destruidor de recordes e tudo o mais. Mas de repente teria sido ofuscado no início por um Gilles mais rápido e mais constante, quem sabe?
O que pude concluir com tudo isso, é que mesmo que os “especialistas” teimem em diminuir os feitos de Gilles quando são levantados os números, se tornam próximos daquele a quem eles considerem o maior e mais genial de todos. Essa comparação apenas nos mostra que sim, Gilles foi um dos maiores gênios do esporte, assim como Ayrton, a quem os deuses do automobilismo não permitiram que se encontrassem no grid. Para nossa tristeza, e, por que não, para estimular nossa imaginação.
A Fórmula 1 é cheias de "Se's": se aquele pneu não tivesse estourado, se aquela chuva não tivesse caído, se esse piloto não estivesse na época errada, e por aí vai... O que me empolga nesse esporte é justamente isso, ver tudo o que vi até hoje e imaginar como teria sido "se" fosse diferente. Parabéns pelas comparações e pela pesquisa.
ResponderExcluirVerdade Armando, e além de tudo o que acompanhamos, nos resta lamentarmos o que não pudemos ver, como encontro de alguns gênios. Mas serve para estimular nosso imaginário como eu disse no texto, exclamarmos "E aquela manobra, lembra?" Abraços!
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