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sábado, 23 de junho de 2012

Vestindo o carro - Parte final




Você deve ter reparado que esta pequena série respeitou uma ordem cronológica. Mas neste caso, não. Deixei para citar a mais indissociável união por último, mesmo que não tenha resultado em um grande número de vitórias, e tão pouco um título mundial. Portanto, se você queria ouvir sobre Michael Schumacher ou qualquer outro, irá decepcionar um pouco...
Nos anos 70 era comum que as equipes ocupassem algumas vagas do grid com carros não-oficiais. Alguns pilotos alugavam carros, outros os patrocinadores colocavam por um motivo qualquer e outros estavam lá para serem testados pelas equipes. E no GP de Silverstone de 1977, Gilles Villeneuve, patrocinado pela Marlboro nas corridas norte-americanas e que fizera boas apresentações em corridas de F2 (inclusive derrotando James Hunt), ocupava o McLaren de número 40. Fez belas ultrapassagens mas não marcou pontos por ter que parar para colocar água no radiador, mas chamou a atenção de Enzo Ferrari. Voltou para o Canadá e recebeu uma proposta da Ferrari. Ficou em dúvida se ligava de volta ou não, até que resolveu mesmo ligar. Foi a melhor escolha que poderia ter feito.
Niki Lauda não participaria das duas últimas etapas. Não queria mais estar na Ferrari e já tinha levado o caneco. Gilles então foi participar dos GP’s de Mosport e Fuji com a Ferrari nº 12. Mas neste último GP, uma tragédia marcaria sua carreira: Ao tentar ultrapassar Ronnie Peterson no final da corrida, decolou e voou para fora da pista, causando algumas mortes. A imprensa caiu em cima, Villeneuve foi duramente criticado e os italianos questionavam a escolha de Enzo Ferrari para o lugar de Lauda.
Em 1978, a Formula 1 seria marcada pelo aperfeiçoamento de um carro lendário: o Lotus 79, o carro asa. Foi o carro mais perfeito aerodinamicamente da história, e sua aderência era espetacular. A Ferrari estava com o já superado 312 T3, o que não ajudaria muito a dupla de pilotos. E Gilles, conhecido por arriscar demais, estava na berlinda. Quando Jody Schekter foi anunciado, era praticamente certa sua demissão por parte da imprensa, afinal a Ferrari possuía o talentoso Carlos Reutmann. Mas Enzo optou pela saída de Lole. Sábia decisão, e Villeneuve venceu seu primeiro GP em casa, em Montreal.

No ano seguinte, a Ferrari iniciou a temporada novamente com o 312 T3, mas prometia um carro revolucionário para a terceira etapa, em Kyalami. E foi debaixo de chuva que o carro venceu logo na estréia, pelas mãos de Gilles, quebrando o favoritismo da Ligier. Gilles venceu também a etapa de Long Beach, e passou a ser favorito para o título. Mas algumas quebras e a evolução de rivais (como a Williams), passaram a dificultar as coisas para Villeneuve. E entre as disputas incríveis, ficaram duas: A primeira, não foi nem pela vitória, foi pelo segundo lugar em Dijon, quando tocou roda e trocou de posição a cada curva com René Arnoux nas voltas finais, em uma exibição que dispensa comentários.

No GP da Holanda, ele travaria uma disputa incrível com Alan Jones e seria mais lembrado do que o vencedor da prova, para sempre. Acontece que durante a disputa, o pneu traseiro da Ferrari de Villeneuve explodiu, fazendo-o rodar e parar na área de escape. Gilles levantou a viseira, olhou para o pneu, deu ré e seguiu em frente, andando com o carro de lado nas curvas com apenas 3 pneus, até chegar aos boxes com a roda completamente destruída.

Gilles acabou o campeonato como vice de seu companheiro, e ainda venceu o GP de Watkins Glen, somando 3 vitórias naquela temporada, o que não seria possível no ano seguinte, já que o T5 não era capaz de fazer frente aos rivais. Gilles mostrou seu arrojo como em uma bela ultrapassagem sobre Riccardo Patrese antes da curva Ste. Devote em Monaco, exatamente onde havia deixado Niki Lauda para trás no ano anterior. Mas o ano foi fraco, o que se repetiu no início da temporada de 1981. O carro era totalmente novo, a bela Ferrari 126 CK, mas não era rápido o suficiente. Isso não impediu Gilles de conseguir a primeira vitória de um motor turbo em Monte Carlo, e em Montreal mais uma vez roubou a cena. Naquela época, a reta do circuito ficava na saída do hairpin, e Gilles teve o bico avariado em um toque. 

Ele não diminuiu o ritmo, e de repente o bico já estava totalmente para cima, lhe tirando toda visão da pista. O diretor de prova não parecia disposto a lhe mostrar a bandeira preta, e o que impressionava era que ele mantinha a terceira posição mesmo nessas condições. Algumas voltas depois, o bico se soltou na entrada do hairpin, onde ele segurou o carro com todo seu talento para subir ao pódio. Gilles também deu show em Jarama, onde não tinha um carro rápido. A solução? Já que ele estava na ponta, resolveu segurar quem vinha atrás. O trenzinho chegou a ser cômico, mas garantiu a ele seu último triunfo na Formula 1.

Depois de duas temporadas de decepção, a Ferrari decidiu que seria campeã em 1982. O 126 C2 foi considerado o primeiro chassi moderno do time, e mostrou força no Brasil, onde Gilles acabou errando em uma disputa com Nelson Piquet, que venceria a prova mas seria desclassificado por irregularidades no dia seguinte. Em Long Beach foi a vez de Gilles perder um pódio pelo fato de a Ferrari usar um estranho aerofólio duplo, o que causou protestos das rivais. Algumas semanas depois, em Ímola, a Ferrari estava em casa. Devido a divergências políticas, as equipes inglesas boicotaram o GP, que foi marcado por uma disputa incrível pela liderança nas voltas finais. Didier Pironi tinha ordens para não ultrapassar Villeneuve, mas quebrou o acordo. O final foi fantástico, e Didier levou a melhor. Villeneuve subiu ao pódio furioso e declarou guerra. Menos de duas semanas depois, a F1 estava em Zolder. Faltando poucos minutos para o fim do treino, Villeneuve queria superar Pironi a qualquer custo, quando encontrou pela frente o lento March de Jochen Mass. Tentou ultrapassar por fora, mas a roda dianteira esquerda da Ferrari tocou na roda traseira de Mass, causando uma decolagem. Foram várias voltas no ar, até que Gilles teve seu corpo lançado contra a cerca de proteção. Ele foi reanimado e levado com vida ao hospital, porém sem muitas esperanças. A fratura na coluna cervical impediria sua sobrevivência, e poucas horas depois sua morte era declarada.
A verdade é que o vácuo causado por sua morte ainda é sentida pela Ferrari como nenhuma outra. O time jamais teve alguém que representasse sua alma tão bem quanto o canadense, nem mesmo Michael Schumacher conquistando seus 5 títulos depois de um jejum de 21 anos. O canadense imortalizou a Ferrari 27, até hoje símbolo de paixão não só pelos fãs da escuderia, mas por qualquer fã verdadeiro de Formula 1. E mesmo 30 anos depois de sua morte, Gilles é sinônimo de Ferrari, o que nos impressiona ainda mais se soubermos que ele nunca foi campeão pelo time, mas arrojado o suficiente para tornar essa união inesquecível.


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