Falando de Corrida

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segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Muito obrigado, até breve


Nesses mais de 30 anos em que acompanho o automobilismo, vi muitas coisas. Fosse por meio da TV, revistas, jornais ou ao vivo, confesso que ri, chorei, vibrei e comemorei. Mas foi nessa última década que pude acompanhar tudo mais de perto, sobretudo dentro do templo da Zona Sul. Vi muito mais coisas do que as câmeras podem captar, aprendi que meros comentários de narradores e comentaristas nem sempre refletem situações reais, entrevistas não mostram verdadeiros caráteres e apresentadores carismáticos podem ser pessoas intragáveis. Mas a partir de 2007 pude comprovar tudo isso e muito mais.
Coincidentemente, consegui conquistar o objetivo de trabalhar dentro das pistas no auge de Felipe Massa na F1, o que posso considerar um privilégio. Não somente por seu desempenho a bordo da Ferrari, mas pelo fato de naquele momento, o nosso automobilismo apresentar uma riqueza tão grande na quantidade e qualidade das categorias nacionais. Só na Stock Car havia 4 categorias, tínhamos o Trofeo Maserati, a GT3, Copa Clio e o presidente da CBA não era um cretino com interesse apenas em seu bolso e em cabidaços que nos levariam para o buraco.
No auge de tudo isso, entramos na pista naquele início de novembro de 2008 para vivermos um dia fantástico. Quando parei o carro de Felipe Massa para comemorar seu título e ele olhou para mim com lágrimas nos olhos balançando a cabeça, eu não sabia do que ele tinha sido avisado pelo rádio. Mas tudo bem, é a vida. Não seria naquele dia que eu veria minha Ferrari sendo campeã de pilotos, mas a vi sendo campeã de construtores, em um final para lá de dramático, como poucas vezes veríamos na história da Fórmula 1. E não há dia em que não me lembre do momento histórico o qual presenciei.
Muitas coisas aconteceram ao longo desses 8 anos, tanto no nosso automobilismo quanto na carreira de Massa. Um acidente quase fatal, um talentoso companheiro de equipe que levou o patrocinador principal ao time, a despedida da Ferrari e lampejos brilhantes a bordo de uma Williams, bem como uma coleção de péssimos resultados. Mas talvez nada tenha sido tão duro quanto saber de um resultado manipulado que mudaria aquele resultado de 2008. Mas sempre que perguntado a respeito de como teria sido 2008 e também sobre os erros da equipe, ele não se acanhava em dizer que não fosse pelos próprios erros, não teria faltado aquele ponto.
Por diversas vezes, Massa foi um piloto duro na disputa. Que o diga Robert Kubica, com quem travou um duelo épico ao final do encharcado GP de Fuji em 2007. Mas deslealdade não houve. Não fechou o companheiro em uma luta pelo título e correu para a torre de Suzuka para pedir sua punição. Nem trocou o freio pelo acelerador no final da reta de Suzuka. Não jogou o carro em cima do adversário em Adelaide ou Jerez. Foi injustiçado, talvez tenha sido injusto em algumas reclamações, mas sempre respeitou companheiros e colegas de trabalho.
Em uma Fórmula 1 que não foi a que sonhou em estar um dia, os objetivos tiveram que mudar um pouco. Com apenas uma equipe capaz de vencer corridas, foi-se perdendo o prazer de entrar na pista. Foram uma pole e alguns pódios. Muito pouco para motivar alguém de 35 anos a continuar. E veio a decisão. F1 não mais. Era hora de repensar a carreira. A decisão causou o choro da chefe de equipe, declarações dos colegas lamentando sua saída, mas a decisão estava tomada.
E tinha que ser aqui, em Interlagos, 10 anos depois de um de seus finais de semana mais brilhantes, que tudo tinha que acontecer do jeito mais errado o possível. Um temporal, a curva do café e o Guard Rail.  Eu não estava lá como há 8 anos, mas no momento em que ele desceu do carro e pegou a bandeira, me lembrei daquele dia, vendo as lágrimas em seus olhos. Lembrei dos momentos que vivi naqueles dias, aquele final de ano onde parecia que nosso automobilismo voltaria ao seus dias de glória. Nas esperanças para 2009, onde tudo acabou dando errado. Na sua tentativa de trazer uma categoria de base apoiado em sua relação com a Fiat e com o Santander. Me senti triste ao vê-lo subindo a pé para os boxes depois de tantas batalhas.
Foi aí que aconteceu. Quando os mecânicos das equipes começaram a sair dos boxes para o aplaudirem de pé, me dei conta da dimensão que Felipe alcançou no automobilismo. Felipe foi muito mais do que aquele ponto que faltou em 2008. Muito mais do que aquela mangueira presa no carro, muito mais do que ordens via rádio. Felipe foi muito mais do que as críticas da torcida. Aquele foi o momento de alguém que realizou quase todos os seus objetivos. De alguém que não venceu o campeonato mundial, mas cujo caráter o impediu de sujar sua própria memória em troca disso.

Mesmo com tudo isso, Felipe não terá filmes em sua homenagem. Ele abriu caminho em seu próprio quintal para seu companheiro ser campeão. Sobreviveu a um grave acidente. Deu alegrias a muitos, foi criticado por outros. Mesmo assim, conseguiu o respeito daqueles a quem o cercavam. Tentou impulsionar nosso automobilismo. Quase colocou Interlagos abaixo por duas vezes. Derrotou Michael Schumacher em igualdade de condições. Rodou na chuva, na curva do Café. Voltou a pé para os boxes. E a Fórmula 1 o aplaudiu de pé.